Intragável! Dá vontade de assistir sem parar — A Classe Morta de Tadeusz Kantor

Cristian Menna
3 min readJun 13, 2022

Um desconforto agradável. Um caos paradoxalmente coeso. Uma morbidade estranhamente familiar e atraente. Assim me parece A Classe Morta, de Tadeusz Kantor, dirigida por Andrzej Wajda.

Em uma sala que parece catacumba, os atores representam alunos que erguem os dedos, maquiados e vestidos como se fossem cadáveres.

Criada em 1975 pelo polonês “poliartista” Tadeusz Kantor e produzida para a TV em 1977 pelo diretor polonês Andrzej Witold Wajda, A Classe Morta (Umarla Klasa) é uma obra classificada como pós-dramática, onde as clássicas estruturas de narrativa tornam-se menos importantes que a experimentação, a atmosfera, a estética e, em algum nível, o sentido.

Na produção analisada, que conta com o próprio Tadeusz Kantor em cena, dirigindo seus atores, a escola mais se parece com as ruínas de algum tipo de catacumba medieval-moderna, os personagens, extremamente enlouquecidos, lembram algo entre cadáveres e assombrações, manifestando, através da maquiagem, da voz e do corpo, uma espécie de aberração grotesca e perturbada da efemeridade da vida humana diante da magnificência dos ciclos, ainda inevitáveis, da vida, da morte, da Terra e do Universo.

A atmosfera criada representa a escola não como o que deveria ser, um local de aprendizado e desenvolvimento humano, mas como uma espécie de fábrica mecanizada, morta, onde reinam a humilhação, a pressão social, a imposição de normas comportamentais, hipocrisia e assassinato da criatividade e da diversidade humana. Uma combinação interessante que pode ter surgido da tendência de Kantor em falar da infância e da morte que, por sua vez, pode ser resultado de um começo de vida sob ataque nazista na Polônia.

Ah, mas eu não falei dos bonecos!

Kantor é conhecido e reconhecido pela tendência a empregar bonecos em cena, junto dos atores, normalmente representando versões elementares (e, por isso mesmo, rústicas), dos próprios personagens dos atores. Em A Classe Morta, não é diferente! A “assinatura” corporal dos personagens é constantemente modulada pela interação dos atores com seus bonecos, carregados quase obrigatoriamente durante todo o espetáculo e, quase sempre, de formas pouco convenientes, com destaque para o “velho da bicicleta”, que se desloca para lá e para cá, nos corredores e salão da escola funesta, pedalando uma tentativa de bicicleta que gera movimento no seu boneco, resultando em uma visão excêntrica e (por que não?), fantástica.

Há quem negue, e, talvez, com razão, mas tais versões macabras da nossa humanidade, ainda que perturbadoras, costumam ter um apelo visceral que nos prende à obra, ainda que esta gere uma espécie de desconforto e dissonância. Os assuntos de vida e morte e a despersonificação da nossa essência humana, misturam-nos ao meio como efêmeros detalhes na paisagem e, ainda que as atrocidades praticadas pela humanidade possam, por um lado, nos chocar e surpreender (afinal, como seres tão elevados podem dar origem a comportamentos tão incipientes como pôr fim a vida de um semelhante?), por outro lado, possuem um certo apelo, tanto estético, como ao nos fazer refletir: que seja efêmera a vida humana no universo, é compreensível, mas quão importante é para nós, aqui no nosso nível da realidade, para que permitamos que seja jogada fora?

Você pode assistir a obra analisada no link: A Classe Morta (Tadeusz Kantor) .

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Cristian Menna

Escritor (e fisioterapeuta) que desenha e faz política.