Como não dizer “Sim!”? Bem-vindos a Bloomusalém: uma montagem universitária de Ulisses (Episódios 15 e 18), de James Joyce

Cristian Menna
3 min readJun 19, 2022

Sem sombra de dúvidas eu digo sim! Peguem seu Shepherd’s Pie e seu copão de Guinness Beer e sejam muito Bem-vindos a Bloomusalém!

O cartaz de Bem-vindos a Bloomusalém tem, em destaque, a atriz Lola Martins, a Cafetina, além de horário, local, título e o nome dos demais membros da equipe.

Obra-prima do escritor Irlandês James Joyce, Ulisses, é um romance moderno de quase mil páginas, escrito em um período de quase dez anos e durante a estadia de Joyce em três países diferentes! No livro, Leopold Bloom passeia por Dublin (no dia 16 de Junho de 1904), e protagoniza uma história que difere em muitos aspectos: como concepção e narrativa, por exemplo, dos formatos mais tradicionais da literatura à época, apresentando aos leitores uma espécie de herói trágico moderno (ou, o Ulisses de nossos tempos).

O livro é dividido em dezoito episódios e em três partes que fazem referência à Odisseia de Homero, tendo sido adaptado para teatro, cinema, televisão, áudio e música e dado origem ao Bloomsday, festival celebrado todos os anos desde 1924, na exata data em que o personagem teria passado por sua odisseia: o dia 16 de Junho.

O que nos interessa mais para esta análise, portanto, são os episódios 15 e 18 sendo, respectivamente, os episódios onde Leopold Bloom busca por e encontra Stephen Dedalus em um bordel e o famoso monólogo de Molly Bloom que finaliza a obra.

O episódio 15 mistura embriaguez e alucinação, é escrito em formato de texto dramático (para teatro), apresentando-nos um fluxo de pensamento que mistura a realidade com as memórias dos personagens, bem como suas fantasias sexuais mais transgressoras. É no episódio 15, também, que Bloom, vendo-se como uma espécie de grande líder político, discursa para os homens e mulheres sobre sua nova e utópica nação: Bloomusalém.

Já o episódio 18, que finaliza a obra, concentra-se no período em que Blomm chega em casa, deita-se ao lado de sua mulher, Molly Bloom, a verdadeira protagonista das páginas finais do romance, que em um fluxo de pensamentos e lembranças da vida, durante os minutos que antecedem o sono, onde sua consciência divaga sobre sua relação com Bloom, sua sexualidade, sua infância, sua carreira como cantora, culminando no famoso trecho onde lembra do pedido de Leopold de casamento, finaliza a obra com seu clássico “(…) sim eu quero Sim.”.

E é aqui que entra a turma de Escrita Dramática I da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que executa e apresenta a montagem Bem-vindos a Bloomusalém. Da turma, fazem parte estudantes de Artes Cênicas e de outros cursos da UFSC, dirigidos pelo estudante Valdir Júnior e orientados pela tradutora e professora Dirce Waltrick. A equipe completa conta com 16 pessoas.

A chegada à sala de apresentação (a Caixa Preta da UFSC), deu o tom que a peça apresentaria por seus quase 40 minutos de duração. Ao entrar na sala, o público foi recebido por 09 cabeças que emergiam de buracos em um pano branco pendurado de forma horizontal e irregular, o que lembrava uma configuração, possivelmente, beckettiana e se assemelhava a uma mistura de lona de circo com uma tênue membrana entre o mundo real e o das alucinações.

Os minutos seguintes contaram com tudo: cafetinas, prostitutas, julgamento, alucinações de Leopold Bloom (Guilherme Lohn), uma máscara de cavalo, um sabonete, troca de “buracos” constante entre os personagens que iam e vinham sob o pano branco, com direito a bons efeitos de movimento sob o pano. Houve, sim, alguns deslizes, como breve esquecimento de fala (lindamente solucionado com o improviso de Luíza Barbosa, a Molly Bloom), um Kindle perceptível sob o pano branco ou a calça da própria Luíza aparecendo sob o figurino de Molly. Mas a maioria destes ficou imperceptível ao público e pouco digna de destaque.

Destaque mesmo merecem a configuração de planos de foco e paisagem e o coro. Em todas as cenas, pôde-se constatar a harmonia entre os atores que sabiam a hora de chamar a atenção para si ou não, ainda que mantendo-se sempre em movimento. Tamanha qualidade também pôde ser notada nas falas em coro dos personagens, normalmente ao hostilizarem Leopold Bloom, que mantinham extrema harmonia mesmo vociferando ofensas e chistes ao pobre protagonista.

Por fim, o que tenho a dizer-lhes, meus caros leitores, lhes digo verdadeiramente: vocês, muito em breve, penetrarão na cidade dourada! Cliquem no link abaixo e sejam muito Bem-vindos a Bloomusalém!

Para assistir a montagem, clique neste link.

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Cristian Menna

Escritor (e fisioterapeuta) que desenha e faz política.